foto
série
auto-retrato quase sem mim
2018, josé
tenho guindastes nas mãos
com que iço rochas
e faço pontaria a aviões de papel
lançados como mísseis
na rotunda da estrada
aonde fica a vossa casa
senhores de pianos cansados?
se quereis voar
escolhei as asas
no lixo do que pensais
aqui estarei
até às três horas da manhã
e direi que sou porteiro
das vossas sombras interiores
quereis ou não quereis
que abra o livro das horas
em que rezais
as vossas lindas iluminuras?
a arte é escoicear no vento
é ter no galope
um irmão sombrio
é trazer o inferno do inferno
em vez da esmaecida Eurídice
é dizer um dois três
e cortar a garganta
por cada palavra dita
sim é assim que eu arrombo o mundo
com estrondo e pompa
para que nenhum espelho registe
o que no vosso rosto
é profunda máscara do vazio
deixai-me a minha pequena birra
o meu balbuciar de criança
deixo que as palavras me devorem
e tenham o sanguinário sentido
do que sinto por dentro e por fora
gosto das fontes
onde querubins de boca seca
ou putti de boca desértica
dançam a mazurca da morte
não sois vós benditos
ou angélicos seres?
há um uivo que só eu conheço
um uiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiivvvvvvvvvvvvvvvvvvoooooooooooo
que só o deserto conhece
e é nele que o meu corpo se embriaga
vem de dentro dos pulsos
o nevoeiro do que procuro
e se a vida desagua em algum lado
esperarei nas migalhas do que digo
o júbilo pleno de um pão de trigo
não preciso dos vossos alaúdes
da vossa voz insossa
durmo em cabarets
e conheço o sapateado da loucura
ah, a indústria funesta do sono
a bela fuligem dos sonhos
a fábrica dantesca dos vossos olhos
tudo isso engulo e esqueço
não me dêem nada
o tempo conhece nos meus ossos
o ofício eterno de ser tempo
com ele me entendo
com ele me visto e dispo
com ele me perco e encontro
com ele direi finalmente
que sou de lado nenhum
e que escrevo como quem range os dentes
como quem dá um soco
no seu próprio estômago
subscrevo-me com muita consideração
desculpai a amnésia
não me lembro do meu nome
se é que tive algum
tereis a bondade de procurá-lo
vós que sois bondosamente
sensíveis criaturas?
2018, José
música
Unsuk Chin - Rocanā
Total Immersion 2011 - London Sinfonietta, Ilan Volkov (conductor)
https://youtu.be/kfFppe2SB1c
série
auto-retrato quase sem mim
2018, josé
tenho guindastes nas mãos
com que iço rochas
e faço pontaria a aviões de papel
lançados como mísseis
na rotunda da estrada
aonde fica a vossa casa
senhores de pianos cansados?
se quereis voar
escolhei as asas
no lixo do que pensais
aqui estarei
até às três horas da manhã
e direi que sou porteiro
das vossas sombras interiores
quereis ou não quereis
que abra o livro das horas
em que rezais
as vossas lindas iluminuras?
a arte é escoicear no vento
é ter no galope
um irmão sombrio
é trazer o inferno do inferno
em vez da esmaecida Eurídice
é dizer um dois três
e cortar a garganta
por cada palavra dita
sim é assim que eu arrombo o mundo
com estrondo e pompa
para que nenhum espelho registe
o que no vosso rosto
é profunda máscara do vazio
deixai-me a minha pequena birra
o meu balbuciar de criança
deixo que as palavras me devorem
e tenham o sanguinário sentido
do que sinto por dentro e por fora
gosto das fontes
onde querubins de boca seca
ou putti de boca desértica
dançam a mazurca da morte
não sois vós benditos
ou angélicos seres?
há um uivo que só eu conheço
um uiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiivvvvvvvvvvvvvvvvvvoooooooooooo
que só o deserto conhece
e é nele que o meu corpo se embriaga
vem de dentro dos pulsos
o nevoeiro do que procuro
e se a vida desagua em algum lado
esperarei nas migalhas do que digo
o júbilo pleno de um pão de trigo
não preciso dos vossos alaúdes
da vossa voz insossa
durmo em cabarets
e conheço o sapateado da loucura
ah, a indústria funesta do sono
a bela fuligem dos sonhos
a fábrica dantesca dos vossos olhos
tudo isso engulo e esqueço
não me dêem nada
o tempo conhece nos meus ossos
o ofício eterno de ser tempo
com ele me entendo
com ele me visto e dispo
com ele me perco e encontro
com ele direi finalmente
que sou de lado nenhum
e que escrevo como quem range os dentes
como quem dá um soco
no seu próprio estômago
subscrevo-me com muita consideração
desculpai a amnésia
não me lembro do meu nome
se é que tive algum
tereis a bondade de procurá-lo
vós que sois bondosamente
sensíveis criaturas?
2018, José
música
Unsuk Chin - Rocanā
Total Immersion 2011 - London Sinfonietta, Ilan Volkov (conductor)
https://youtu.be/kfFppe2SB1c
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