sábado, 13 de outubro de 2018

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2014, josé

Teologia dos lugares
Tübingen

Não, não referirei Hölderlin ou Hegel
(ou o eterno esquecido Schelling)
no rio perfeito das ruas-

falarei antes da passagem etérea das aves
da luz dos bosques, das casas
tudo mais leve que a ardente luz do passado.

Vejo ainda o ligeiro sobressalto do polaco
a quem indaguei a nacionalidade:
há crimes de uma estranha indústria
que esperam as nossas mãos.

Não, não referirei a casa de Hölderlin
ou a mulher que a ela me levou
eu que fiquei cego nos livros que li-

há coisas a mais na realidade
quando temos a vida livre
e somos água, terra, matéria elementar
de viagens, de vidas e palavras magoadas.

Não, não referirei as aulas
o inventário diário das nossas mãos
à beira do sossegado Neckar
a que eu dava o nome de néctar
e entre o Neckar e o néctar
ambos ríamos num estranho desvario do rio.

Não, não referirei o seminário de Tübingen
onde entre o Espírito Universal de Hegel
e a loucura universal de Hölderlin
de quem recitavas os poemas
eu falava do suicida Antero de Quental
porque sempre achei
que é num banco de jardim
com uma bala na cabeça
que o Absoluto nos atinge

Não, não referirei as noites de penúria
e como dormíamos estendidos na relva
e no frio matinal do orvalho
nos olhávamos assustados

Não, não referirei o seminário de Tübingen
mas então o que referirei?
93, Tübingen, josé

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