foto
2016, josé

há os que vivem na solidão das alturas
de onde contemplam, dizem, melhor o mundo-

eu olho e afundo-me
os meus olhos
são feitos de estranhos bastonetes
são animais nocturnos
rentes ao chão

é em covis que habitam
e sofrem estranhas metamorfoses
dirão os sábios
num transe muito sereno
que sou traficante de bugigangas
e ando como soldado desvairado
no meio do campo da batalha
e berro onde está o inimigo
e só o eco me responde

mas ao olhar daqui
digo-vos que amo todos os andaimes
e reconheço na ciência da reconstrução
a voz operária dos que estão no mundo
meramente com as mãos
com elas abrem a terra
com elas abrem o corpo
e cantam com um copo
com um corpo em cada mão
a verdade que outros
sobranceiros e etéreos
esquecem na sua solidão

são místicos
meditam às tantas horas do dia
ou da noite, pouco importa,
um quarto de hora talvez antes da eternidade
quando os relógios baralhados
dão horas cavas
numa mansão vazia-

aleluia, levitam finalmente,
papagaios ao vento
senhores breves do firmamento

ah, para quê dizer ao mais desatento
que sem um cordel na mão
não há papagaio que sonhe ao vento
2018, josé

música
Attends.....que le temps te vide - Gérard Manset
https://youtu.be/wEab9-Fu7g8